segunda-feira, 3 de setembro de 2012

A gente se vê no inferno, querida

Hagamenon Brito

Quando estou muito triste penso no angustiado James Dean olhando para a doce Natalie Wood antes da corrida da morte em Rebel without a cause. Ou em Laika, a cadelinha enviada à Lua pelos malditos russos em 1959 e que ficou para sempre em órbita, até morrer de fome, sede e solidão. Deus, pobre Laika.
Outras vezes, imagino Elvis, gordo e entupido de remédios, nu e em posição fetal no chão frio do banheiro, sem ninguém para espantar a morte de Graceland naquela madrugada de 16 de agosto de 1977. Ou na amargura de Montgomery Clift  após o acidente que destruiu a obra de arte que era o seu rosto - ele nunca mais se recuperou emocionalmente.
Tem dias que Che é que não sai da minha cabeça. Penso nos seus últimos momentos, faminto e ferido na alma, fugindo dos desgraçados nas matas bolivianas. Isso, quando não converso com Roy Orbison e o cantor,  sempre cool, me conta por que nunca tira os óculos escuros: para que ninguém veja o quanto ele já chorou na vida.
E aí me sinto melhor. Eles sim, tinham motivos para sofrer, se desesperar, sair correndo mundo afora, beber até morrer. De fato, tomaram chá com a senhora tristeza. Perto deles, minha melancolia não alcança a praia, naufraga em perfumaria, desfaz-se no ar. É tolo, sei. Mas só assim, feito Pollyanna, esqueço um pouco o mal que voce me fez.
Talvez voce tenha razão. Conviver comigo não é fácil. Sou denso demais, mudo quando é Lua cheia e tenho hábitos dos quais não abro mão nem por Brad ou Scarlett - como roteirizar os assassinatos que ainda farei e, pelo menos uma vez na semana, ficar sozinho com os meus discos, livros, filmes e gatas.
Voce, com a energia difusa dos 20 e poucos anos, queria movimento o tempo todo. Era incapaz de amar o silêncio ou de ficar ao meu lado sem pedir atenção, sem parecer uma cadela carente à espera de afagos na cabeça. Enquanto eu planejava o futuro,  voce queria apenas o presente. Eu cantarolando Vampire Weekend, voce ouvindo Metallica.
Nosso fim era uma cronica anunciada. Eu entenderia se tivesse sido assim, mas voce quebrou o meu coração ao partir sem avisar levando o baú com as cinzas do meu pai. Quando percebi o roubo, o que era desilusão se transformou em rancor, o que era opaco se transformou em trevas.
Liguei para todos os nossos amigos e fui aos porões da tua alma em busca de vingança. Pedi licença no trabalho e peguei a estrada à procura do teu espectro infame - vi tanta coisa e bebi em cada buraco que voce nem acreditaria. Não te encontrei, mas voltei mais forte da viagem.
Buda ensina que o ódio é o pior dos sentimentos. Tem razão. Quem o sente também definha aos poucos, como uma planta que não é beijada pelo Sol. Infelizmente,  ainda não posso evitá-lo quando imagino o teu riso cinico espalhando as cinzas do meu pai em algum canto inglório.
Não me peça para perdoar quem me trouxe tanta dor. Sou incapaz de perdoar quem trai a minha cumplicidade e finge que nada aconteceu. Não esqueço que o terremoto deixa frestas, arranhaduras e buracos na terra devastada do coração. Quem eu amo, tem o melhor de um deus. Quem eu odeio, tem o melhor de um demônio.
 
E isso é apenas pulp fiction, homeboy.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

TODA ARTE É ATUAL

Mas o realismo não é chato apenas nas artes plásticas; ele o é também na literatura. Peço que o leitor me desculpe se ando escrevendo demais sobre artes plásticas. É que, ligado a elas como sou, de vez em quando me pego refletindo sobre o assunto. Foi o que ocorreu há pouco, quando visitei a exposição de Eliseu Visconti, no Museu Nacional de Belas Artes.
Estava apenas esperando uma oportunidade para ir vê-la, desde que recebi o convite para o vernissage: ele trazia a reprodução de um retrato pintado pelo artista, que sempre me fascina quando o vejo. Logo que pude, fui ao MNBA e não me arrependi. Vi confirmada minha convicção de que Visconti é um dos maiores pintores brasileiros. A exposição reuniu obras do acervo do museu, da Pinacoteca do Estado de São Paulo e de coleções particulares. Embora esteja longe de ser completa, nos deu uma visão bastante ampla da obra do artista em suas diferentes fases. Nas pinturas mais antigas,do final do século 19, ele se mostra um pintor realista, que é a fase menos interessante de sua obra.
Não por culpa sua, pois já ali se mostra um excelente pintor, pela composição, a qualidade do desenho e domínio da linguagem pictórica propriamente dita. O defeito está no caráter realista das obras. Pode ser apenas, no que me diz respeito, uma questão de gosto, mas o que ocorre é que a preocupação com a cópia fiel das figuras torna a pintura menos fascinante, ao trocar a imaginação criativa e poética pela fidelidade ao real.
A verdade é que há muitos tipos de realismo pictórico e que, também aí, pesam certas qualidades do artista. Velásquez, por exemplo, era um barroco realista e, em algumas obras, não alcançou a transcendência poética. Não é o caso, obviamente, da obra-prima As meninas, porque, nesse quadro, apesar do realismo das figuras, a relação espaço-tempo que ele estabeleceu ali supera a imitação realista: é que ele nos mostra, a um só tempo, as figuras que pintara, como se fossem os modelos do que ainda estaria pintando na tela, cujo avesso nos é mostrado ali.
Mas o realismo não é chato apenas nas artes plásticas; ele o é também na literatura. Pelo menos para mim, pois acho que não se faz arte para imitar a vida e, sim, para inventá-la. A realidade é pouca.
Por isso mesmo, a pintura de Eliseu Visconti ganha qualidade à medida em que abandona o procedimento acadêmico - iminentemente imitativo -  para abrir-se ao impressionismo, que em seus quadros adquire uma poética própria. Inicialmente há uma fase de passagem do estilo realista, que busca a imitação da realidade, a uma linguagem pré-impressionista em que, aos poucos, um uso novo da cor e da luz se manifesta.
Como se sabe, o impressionismo nasce quando o pintor deixa de pintar dentro de casa - ou no ateliê - para pintar "à pleine aire" , ou seja, à luz do dia. A relação de sombra e luz é substituida pela cor irradiante, nascida da vibração da luz solar sobre a superfície das coisas. Isso durante etapa desse movimento pictórico, porque, no final, algumas das obras de Monet (como Nenúfares) já estão impregnadas da subjetividade simbolista.
Pois bem, a esse simbolismo se vinculará a pintura de Visconti na etapa áurea de sua obra, que se estenderá até 1944, ano de sua morte. Nesta última fase, o pontilhismo impressionista se muda em pinceladas mais amplas. Visconti é quem faz a transição, na pintura brasileira, do academicismo do final do século 19 ao modernismo, que nasce, historicamente, com Anita Malfatti na exposição que fez em 1919 em São Paulo.
Não quero terminar este registro sem mencionar uma observação que fiz, alguns anos atrás, quando reuniram obras de pintores brasileiros do modernismo e da etapa imediatamente anterior. Ali estava uma obra de Eliseu Visconti e o conhecido autorretrato de Tarsila do Amaral. Embora seja eu fã de nossa pintora modernista, não pude deixar de reconhecer a diferença de qualidade artística entre as duas obras. O quadro de Visconti ali exposto, comparado ao de Tarsila, era, indiscutivelmente, melhor. Não se trata aqui de diminuir a importância de Tarsila, que, naquele momento, abria um caminho novo para nossa pintura. Mas não se deve confundir o papel histórico com valor estético. Como disse Picasso, toda arte é atual.
Ferreira Gullar
Poeta e ensaísta 

sexta-feira, 27 de julho de 2012

BEMBÉ DO MERCADO: A hora do registro

Marlon Marcos
Jornalista e Antropólogo

São várias assertivas que apontam o Bembé do Mercado, festa centenária que acontece todos os anos a 13 de maio, em Santo Amaro da Purificação, como Patrimônio Imaterial da Bahia. Tramita, no Conselho Estadual de Cultura do nosso Estado, o Dossiê de Registro que deverá ser analisado e julgado procedente, já que o mesmo partiu de uma criteriosa pesquisa de campo sobre a festa, sob o comando de pesquisadores de várias áreas escolhidos pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia, mais conhecido como Ipac.
A comunidade santo-amarense, principalmente o povo-de-santo, espera com avidez a patrimonialização desta celebração que acontece há mais de 100 anos, e é alusiva aos festejos dos ex-escravos da comarca de Santo Amaro, pelo controverso, mas importante, 13 de maio de 1888, data que oficializou o fim da escravidão dos negros em terras brasileiras.
A festa começada desde 1889, sempre reuniu, primordialmente, os negros ligados às religiões de matrizes africanas. A palavra bembé é uma visível corruptela do termo quiconco candomblé, e passou a designar os festejos religiosos nesse dia 13, onde se tocava (e se toca para orixás, inquices, voduns) em agradecimento pela liberdade (ainda que parcial) alcançada. É uma festa do povo negro daquela cidade que desbravou anos mantendo viva uma memória religiosa, social e cultural que já poderia ter sido completamente esquecida.
Hoje, felizmente, muitos olhares se voltaram para o Bembé do Mercado,muitos com o intuito de fortalecer o caráter turístico da celebração, outros, preocupados com nossa história e preservação sócio-antropológica de expressões que nos traduzem coletivamente, como é o caso da historiadora Ana Rita Araújo Machado, que fez até então a mais importante pesquisa acadêmica sobre este evento santo-amarense. Temos artistas que emprestam sua grandeza à visibilidade do Bembé, o maior é Caetano Veloso que fez a canção 13 de maio, que entende a festa como uma homenagem inicial à princesa Izabel.
Mas, mais importantes que todos, são os religiosos, membros de muitos terreiros e de várias nações de candomblé, que lutam para organizar a festa, tocar para os orixás e culminar com o concorrido Presente a Iemanjá, Rainha de todas as águas, pedindo proteção e continuidade da vida e destas celebrações.
Registrar o Bembé do Mercado como Patrimônio Intangível da Bahia (e do Brasil) é valorizar os feitos do nosso povo, o que foi erguido pela base civilizatória nossa e ajudar, do ponto de vista das políticas públicas culturais, a manutenção de um evento que versa sobre a beleza negra e religiosa dessa gente do aluá, da maniçoba, do foguete no ar, como poetiza Caetano Veloso.


quinta-feira, 12 de julho de 2012

Há muito tempo não ando por aqui. Ventos me empurraram pra outras plagas, nem melhores nem piores, apenas outras, de onde não consigo sair. É como se fosse outra vida e eu outra pessoa. Só que com a consciência da antiga e sem força para voltar. Enfim, deixa pra lá por enquanto.
Mas as vezes leio coisas que preciso compartilhar, acho tão importantes, que volto agora a transcrever aqui.

Encontrei ontem no meu e mail uma cópia dessa carta incrível de Caymmi para Jorge Amado:


Jorge meu irmão, são onze e trinta da manhã e terminei de compor uma linda canção para Yemanjá pois o reflexo do sol desenha seu manto em nosso mar, aqui na Pedra da Sereia. Quantas canções compus para Janaína, nem eu mesmo sei, é minha mãe, dela nasci. Talvez Stella saiba, ela sabe tudo, que mulher, duas iguais não existem, que foi que eu fiz de bom para merecê-la? Ela te manda um beijo, outro para Zélia e eu morro de saudade de vocês. Quando vierem, me tragam um pano africano para eu fazer uma túnica e ficar irresistível. Ontem saí com Carybé, fomos buscar Camafeu na Rampa do Mercado, andamos por aí trocando pernas, sentindo os cheiros , tantos, um perfume de vida ao sol, vendo as cores, só de azuis contamos mais de quinze e havia um ocre na parede de uma casa, nem te digo. Então ao voltar, pintei um quadro, tão bonito, irmão, de causar inveja a Graciano. De inveja, Carybé quase morreu e Jenner, imagine!, se fartou de elogiar, te juro. Um quadro simples: uma baiana, o tabuleiro com abarás e acarajés e gente em volta. Se eu tivesse tempo, ia ser pintor, ganhava uma fortuna. O que me falta é tempo para pintar, compor vou compondo devagar e sempre, tu sabes como é, música com pressa é aquela droga que tem às pampas sobrando por aí. O tempo que tenho mal chega para viver: visitar dona Menininha, saudar Xangô, conversar com Mirabeau, me aconselhar com Celestino sobre como investir o dinheiro que não tenho e nunca terei, graças a Deus, ouvir Carybé mentir, andar nas ruas, olhar o mar, não fazer nada e tantas outras obrigações que me ocupam o dia inteiro. Cadê tempo para pintar ?
Quero te dizer uma coisa que já te disse uma vez, há mais de vinte anos quando te deu de viver na Europa e nunca mais voltavas: a Bahia está viva, ainda lá, cada dia mais bonita, o firmamento azul, esse mar tão verde e o povaréu. Por falar nisso, Stella de Oxóssi é a nova iyalorixá do Axé e, na festa da consagração, ikedes e iaôs, todos na roça perguntavam onde anda Obá Arolu que não veio ver sua irmã subir ao trono de rainha? Pois ontem, às quatro da tarde, um pouco mais ou menos, saí com Carybé e Camafeu a te procurar e não te encontrando, indagamos: que faz ele que não está aqui se aqui é seu lugar? A lua de Londres, já dizia um poeta lusitano que li numa antologia de meu tempo de menino, é merencória. A daqui é  aquela lua. Por que foi ele para a Inglaterra? Não é inglês, nem nada, que faz em Londres? Um bom filho-da-puta é o que ele é, nosso irmãozinho.
Sabes que vendi a casa da Pedra da Sereia? Pois vendi. Fizeram um edifício medonho bem em cima dela e anunciaram nos jornais: venha ser vizinho de Dorival Caymmi. Então fiquei retado e vendi a casa, comprei um apartamento na Pituba, vou ser vizinho de James e de João Ubaldo, daquelas duas línguas viperinas, veja que irresponsabilidade a minha.
Mas hoje, antes de me mudar, fiz essa canção para Yemanjá que fala em peixe e em vento, em saveiro e no mestre do saveiro, no mar da Bahia.
Nunca soube falar de outras coisas. Dessas e de mulher. Dora, Marina, Adalgisa, Anália, Rosa morena, como vais morena Rosa, quantas outras e todas, como sabes, são a minha Stela com quem um dia me casei te tendo de padrinho. A benção, meu padrinho, Oxóssi te proteja nessas inglaterras, um beijo para Zélia, não esqueçam de trazer meu pano africano, volte logo, tua casa é aqui e eu sou teu irmão Caymmi.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

DITOS, BEM DITOS E MAL DITOS VI

"Solidão não é o vazio de gente ao nosso lado... Isto é circunstância.
Solidão é muito mais do que isto.
Solidão é quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos em vão pela nossa alma..."
Francisco Buarque de Hollanda - Cantor e Compositor

terça-feira, 25 de outubro de 2011


Entre os dois o abismo enorme. No fundo dele o amor esquartejado, esquecido pelo embate de egos. No ar o drama escorria, derretendo ao sol. O cheiro sobressai desandando a calda de calúnia enegrecida pelo sabor de solidão.
Nenhum gesto. Movimentos audazes congelam no ar. Tentáculos de lucidez erram como esculturas inacabadas assombrando os tempos idos quando batalhas de corpos nus engoliam as horas sem chance de mais nada.
Desculpas se desmancham ao vento. O ceticismo fecha mais uma vez a cena da vida em comum.
O fantasma da solidão aplaude feliz.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

De volta depois de um longo e tenebroso inverno. Mas falarei sobre isso do meu modo, e a seu tempo. Agora quero postar um artigo bem bacana e pertinente, publicado na coluna do jornalista Samuel Celestino no jornal A Tarde:
"Durante o seculo 18, o Brasil Colônia pagava um alto tributo para seu colonizador, Portugal. Esse tributo incidia sobre tudo o que fôsse produzido em nosso país e correspondia a 20% (ou seja, 1/5) da produção. Essa taxação altíssima e absurda era chamada de "O Quinto". Esse imposto recaía, principalmente, sobre nossa produção de ouro. "O Quinto" era tão odiado pelos brasileiros que, quando se referiam a ele diziam "O Quinto dos Infernos". E isso virou sinônimo de tudo o que é ruim.
A coroa portuguesa quis, em determinado momento, cobrar os "quintos atrasados" de uma única vez, no episódio conhecido como "Derrama". Isso revoltou a população,  gerando o incidente chamado de Inconfidência Mineira, que teve o ponto culminante na prisão e julgamento de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, enforcado e esquartejado que foi. De acordo com o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário IBPT, a carga tributária brasileira deverá chegar ao final deste ano de 2011 a 38% ou, praticamente, 2/5 ( dois quintos)  de nossa produção. Ou seja, a carga tributária que nos aflige é praticamente o dobro daquela exigida por Portugal à época da Inconfidência Mineira, o que significa que pagamos hoje literalmente dois quintos dos infernos  de impostos. Para quê? Para sustentar a corrupção? Os mensaleiros? O Senado com sua legião de "diretores", a festa das passagens, o bacanal (literalmente) com o dinheiro público, as comissões e jetons, a farra familiar nos três poderes, (Executivo/Legislativo e Judiciário)?
Nosso dinheiro é confiscado no dobro do valor do "quinto do infernos" para sustentar essa corja, que nos custa (já feitas as atualizações) o dobro do que custava toda a corte portuguesa. E pensar que Tiradentes foi enforcado porque se insurgiu contra a metade dos impostos que pagamos atualmente!".