sábado, 18 de dezembro de 2010

POIS È...

Iaiá era uma criaturinha estranha mesmo. Dizia ser cética. Não acreditava em nada. Mas se alguém observasse, ela era cheia de pequenas superstições que não explicava a ninguém, mesmo quando confrontada: eram apenas manias.
Cada vez mais descrente, reticente e ausente da cena da cidade, dos amigos, inconscientemente tinha escolhido o caminho de volta apenas por não ter aonde ir.
Vez em quando tinha grandes nostalgias. Saudades profundas de quem lhe ensinou o caminho da alegria. Lembranças de momentos fugazes de felicidade como quando passou no vestibular apesar de ninguém levar fé, como naquele dia ímpar que, sem mais nem menos, alguém lhe abordou numa festa e disse "voce é muito bonita", a suprema felicidade do primeiro carro, aquelas madrugadas plenas de amor e sexo, a lembrança da sensação quase física de seu corpo adentrando o mar límpido azul e frio, prazeres que enfeitam vez em quando seus momentos de lembranças que mais parecem um esquecimento...
Foi ficando cada vez mais esquisita, achava absurdo ter que atender ao telefone, quase nunca estava com vontade de conversar. Por isso mesmo sua voz foi ficando cada dia mais grave, guardada. Era incompreensível alguém bater à sua porta. Pra quê? Maioria das vezes nem atendia. Gostava mesmo era do frescor da noite, a lua iluminando seus pensamentos na companhia silente e compreensiva de uma cerveja gelada - como diria o poeta Vinicius de Morais - seu melhor amigo, seu cachorro engarrafado.

6 comentários:

Anônimo disse...

Pois é. É assim que se some. Chega um dia ninguém se lembra da gente. Belo texto Ivonete. Tristemente belo.

Bípede Falante disse...

Parecida com o meu pai essa Iara, que ele também era de não atender nada nem a ninguém...
beijo

Lucia Alfaya disse...

"Ô Iaiá
Iaiá, ô Iaiá
Minha preta não sabe o que eu sei
O que vi nos lugares onde andei
Quando eu contar, Iaiá, você vai se pasmar..."

Iaiá, joga a melancolia pra lá, abre aquela cerva gelada e manda o mundo passiá!

Edu O. disse...

Parece um suspiro que vai se apagando

Bípede Falante disse...

Querida Ivonete, um feliz natal, cheio de ternura para você! :)
beijos

Nilson disse...

Beleza de texto. Iaiá dá o que pensar!!!