sábado, 17 de outubro de 2009

Sempre foi considerada uma tolinha. Isso lhe era muito conveniente. Vivia assim, medianamente. Trabalhava, voltava pra casa, poucos amigos, nem assim tão íntimos. Ninguém lhe notava de verdade. Viam-na, mas não a enxergavam.
Ouvia música e gostava de ler e assim passava seu tempo livre. Sonhando com as estórias que lia e tornava a ler.
Faltou ao trabalho por uma semana: só então descobriram não ter a quem perguntar por ela. O tempo foi passando. Ninguém sabia de nada. Lá um dia, uns parentes (até próximos, mas que não tinham o hábito do contato regular, nem por telefone), ligaram para convidá-la pros festejos de uma data importante do clã. Ela não atendeu. No dia seguinte também. E assim foi até que ligaram uns para os outros e descobriram que ela havia desaparecido. Decidiram e foram até a casa ver o que houve. Os vizinhos disseram não vê-la há semanas. Pensaram estar viajando a moça simpática, educada mas distante que não passava dos cumprimentos habituais e não incomodava ninguém.
Resolveram então arrombar a porta. Já estaria morta há dias? Sofrera um ataque cardíaco? Um assalto? Um sequestro?
Quando abriram a casa tudo estava como sempre: arrumado e limpo. Mas ela não estava. Nenhum sinal de luta, não deram por falta de nada. Roupas no armário, cd´s mais ou menos arrumados. A estante mais ou menos desalinhada. Alimentos em seus lugares. A cozinha organizada como se ela tivesse saído prá voltar. Mistério. O que fazer? A quem recorrer?
Como já havia mais de um mes que ela desaparecera, começaram a trocar idéias e descobriram que ninguém sabia mais nada a seu respeito a não ser que morava alí e trabalhava acolá.
Aconteceu é que um dia ela se encheu de tudo. Planejou tudinho, que não era tola, sacou suas economias, levou consigo apenas seu talismã, algumas roupas íntimas, seu livro de cabeceira ( O LIVRO dISSO - Georg Groddeck) , dois ou tres cd´s e seu laptop. Enfim, coube tudo numa sacola.
Mudou-se para outra cidade longe dalí e foi começar tudo de novo. No caminho achou que era tolice avisar a alguém.
E ria, enquanto pensava se na próxima vez repetiria tudo ou deixaria de ser tolinha...
Acrílica sobre tela-2008
Foto I. Moniz Pacheco

7 comentários:

Bernardo Guimarães disse...

que barato! me lembrou quincas berro d'água quando se encheu da mulé e da sogra e se picou!

Janaina Amado disse...

Bela história, Ivonete. Gostaria de saber mais da sua arte, de ver mais a sua arte... gosto tanto do que vejo! Que tal umas imagens maiores, e vc. falando um pouquinho de como trabalha? Curiosidade de fã!

Moniz Fiappo disse...

Aí, Bernardo, valeu... de vez em quando dá vontade de fazer isso, não é?

Moniz Fiappo disse...

Janaína,
nos posts anteriores há um bocado de fotos de trabalhos mais antigos e algumas tentativas de descrever o modus operandi.
Os trabalhos atuais, estou fotografando e até o final da semana devo postar.
Obrigada pelas visitas. Estou feliz de ter uma fã que nem voce.

Anônimo disse...

Ivonete, gostei demais desse conto! Queria ter a coragem e a espontaneidade da "tolinha".

Edu O. disse...

Ta parecendo uma música de Zéu Brito onde uma mulher se cansa da vida e abre um brega, chama-se o Brega de Leila e eu adoro esta música e eu adorei a tua bobinha (nem tanto assim!).

Nílson disse...

Adorei isso! Muito bom mesmo, Ivonete! Dá um filme. Queria ter escrito algo assim!